sábado, 27 de dezembro de 2008

- toc, toc, toc;

Dois anos. Eu me lembro como se fosse hoje.
O vento frio subia a rua, desafiando a gravidade e me refrescando da temperatura quente do dia. Eu estava chegando em casa da padaria, um doce enorme debaixo do braço, e nada poderia me fazer menos feliz. O natal fora lindo e completo, e logo o ano novo ia começar; uma ótima notícia para quem ama novidades. Me lembro de estar ansiosa para chegar em casa, e de olhar para o céu e ver que o Sol começava a descer, dando a tudo um tom alaranjado.
Não é como nos filmes; nunca confie em Hollywood ou Steven Spielberg. Eu queria que algo pudesse mostrar tudo que se passa na cabeça de uma pessoa quando acontece algo do tipo. Quem sabe assim alguém entenderia.
Não há músicas de suspense, nem qualquer desconfiança; a pessoa não faz a mínima idéia do que vai acontecer. Pelo menos no meu caso, a rua não estava deserta, um casal vinha no sentido contrário, rindo e brincando de empurrar um ao outro. Me lembro de sorrir, associando a cena a uma de minhas melhores memórias. E, quando eu passei pela esquina, me lembro de olhar para o outro lado e vê-lo ali.
Nos filmes, o terror que se sente é muito menor do que esse. A surpresa é avassaladora, e o medo vem tão forte que você perde o equilíbrio. Não, ninguém entenderia.
Me lembro de chegar em casa aquela noite, meia hora depois, sem o mínimo apetite. Eu deixei o doce na cozinha e fui para o meu quarto. Felizmente não tinha ninguém em casa para me ouvir enquanto eu me desfazia no banheiro. Me lembro de ir até a janela, e de escorregar até o chão ao ver que ele ainda estava ali.

(ninguém pergunta sobre esse texto, ok?)

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

- tanto faz, tanto fez;

Os dias têm passado rápido.
Eu percebi isso quando vim olhar aqui e vi que já fazem nove dias desde que eu postei; foi como um piscar de olhos. Me faltou inspiração, ultimamente. Acho que é por que eu tenho passado tanto tempo lendo que não me sobra tempo para escrever.
De qualquer forma, outra coisa na qual eu reparei quando pensei em como os dias passam rápido por essas férias, é que as horas parecem transcorrer muito mais lentamente quando ele está comigo. E que em todo o tempo que ele não está, eu faço tudo correr para vê-lo novamente.
Eu nunca fui muito boa em fazer tudo correr; o tempo sempre me desobedeceu, transformando cada minuto em uma hora quando eu estava ansiosa. Mas essa capacidade de ignorar o relógio me veio tão naturalmente que eu mal percebi; fazia tanto tempo que eu não sentia paz, nem por um minuto. Passei um longo momento pensando no que isso significava. E decidi que não precisava pensar, que realmente pouco importava o motivo ou as consequências; ele me trazia paz, apenas por sua presença contínua e carinhosa perto de mim. Tal fato já era suficiente para justificar um vício.
Vício. Palavra forte. Mas não há definição melhor para a necessidade constante que eu tenho de tê-lo em meus braços. Eu tento não pensar muito nisso, pois, por mais que eu me contrarie, esse sentimento me parece uma regressão. Vício parece algo muito grotesco e desumano quando se compara com o amor. E, por incrível que pareça, eu fui muito bem sucedida nesse negócio todo de não-pensar. Já faz muito tempo que as dúvidas antigas que me atormentavam se silenciaram com uma tranquilidade estranha e amarrada ao alívio: tanto faz.
Tanto faz que tanta coisa esteja errada na minha vida, tanto faz que eu precise resolver tantos problemas. Deixa isso para depois. Eu estou de férias, tenho um sol novo e lindo para me iluminar, e foda-se o mundo. Vou deixar uma única ansiedade me atormentar: a de tê-lo comigo novamente, aliviando minhas dores, saciando minha vontade de afeto. Pouco me importa que isso seja errado, seja usá-lo; ele sente tanto amor por mim como eu por ele. O fato de não precisar me preocupar é, de várias formas, estimulante.
Então, por mais que descobrir o quanto o tempo está passando rápido tenha me surpreendido, eu prefiro que seja assim. O futuro é uma das tantas coisas que me amedronta, e tudo que me dá medo precisa acabar rápido. Eu não quero que fique melhor do que isso, para que depois não fique pior. Deixa estar, deixa. Eu estou bem assim. E eu quero que isso continue, por mais que estar bem pareça algo muito grotesco e desumano quando se compara com estar feliz.

domingo, 14 de dezembro de 2008

- caminho;

Por um momento, nada mais importa. Ao fechar os olhos, me excluo da frieza de mais um dia vulgarmente nu que começava a nascer.
Eu queria gritar para o mundo quanto amor eu tenho para oferecer. Queria que de alguma forma todos soubessem que ali, naquele corpo miúdo de criança, há amores que moveriam montanhas procurando, ávidos, por um encaixe. Em meus devaneios inocentes, eu crio o meu próprio mundo; longe de decepções e infestado de cores vívidas. No meu mundo, o amor seria colorido. No meu mundo, eu conseguiria ter certeza de que ele realmente existe; e saberia quando eu encontrasse alguém capaz de amar de verdade.
Por mais que sejam só devaneios, o alívio pela ausência da dúvida consegue ser real por um segundo.
Seria tudo mais fácil se o amor fosse algo tangível. Eu poderia abraçá-lo, envolvê-lo entre minhas mãos e plantá-lo como semente no meu jardim. E, quando ele não fosse mais necessário, eu o enterraria junto com o passado, em algum lugar onde ele jamais floresceria; não causaria dor, nem me faria imaginar coisas tão estúpidas sobre algo que eu não sei nem se existe de verdade.
Mas nem a tranquilidade dos meus sonhos me liberta da realidade; ela perfura minhas barreiras e inunda tudo como ferro líquido, pesada e prestes a se firmar de forma incorrigível. Meu mundo se mancha com histórias de pessoas que deram seu amor, agora física e possivelmente domável, e nunca mais o reaveram nem ganharam outro amor para substituir. Não importa com que forma eu o imagine, as pessoas nunca deixam de ser corruptíveis, e sempre têm uma forma de violá-lo.
Diante disso, minha única opção é abrir os olhos, deixar os sonhos para trás, e tentar pensar logicamente. Se o amor existir, seria ele uma entidade consciente? Me aterrorizo com a possibilidade; qual seria o interesse em causar tanta dor às pessoas? Não, reconheço minha natureza covarde ao me recusar a considerá-la. O interesse vêm do desinteresse, naturalmente. A dor resulta do abraço do amor e da indiferença. Então, como preveni-la?
Espero pacientemente meus pensamentos se livrarem do aperto forte da dor e das lembranças. Como eu poderia prever tudo isso, e, dessa forma, não precisar buscar por algum tipo de alívio? Se antes, eu soubesse como tudo acabaria, eu poderia simplesmente pular essa parte da minha vida e fingir que ela nunca teria existido? Ou eu viveria o extremo da felicidade novamente, interpretando sinais de que o fim estava próximo, esperando pacientemente a dor me envolver com seus abraços pungentes?
Tantas perguntas, nenhuma resposta. Entre a lógica e os sonhos, não vejo nenhum caminho viável. Tento uni-las, entrando em contradição. Tento não seguir nenhuma das duas, e o caminho que me resta é mais tortuoso do que qualquer outra coisa; eu não deixaria a dor me dominar novamente a ponto de se tornar algo separado, e constante. Então, suspiro. Hora de me levantar para um novo dia. Quem sabe amanhã, eu decidiria meu caminho.

(duas noites de insônia seguidas causam pensamentos demais, e pensamentos demais causam um texto desses.)

domingo, 7 de dezembro de 2008

- pulso;

Ah, pungiu me como ferro à pele o negro pulsante daqueles olhos sombrios. Três segundos se passaram e eu soube que me marcaria pra vida inteira como uma sábia cicatriz. Uma mão de aço envolveu minha mente e tudo girou. Fraquejei.
Ah, me dê mais três segundos e eu volto ao normal. Está tudo bem, eu consigo respirar. São apenas alguns devaneios antigos, sabe, vieram à tona, imagine, assim do nada! Eu posso me levantar, só me dê a sua mão, sim?
Ah, que cheiro doce. Sua camisa recém-lavada roçando em meu rosto, hum, não me coloque no chão ainda, eu quero respirar por aqui mais um pouco. Por trás de meus olhos fechados eu ainda podia vê-las; duas bolas negras brilhantes, pulsando, agora seguramente distantes de mim.
Ah, mas não vá para longe, não. Não por enquanto. Ainda posso sentir o arder da cicatriz, feroz como a descoberta; você irá para longe, mas não agora, por favor. Não pare de afagar meus cabelos, não pare de sussurrar preocupações inerentes ao meu ouvido. Não ainda.
Ah, era tudo que eu queria, mais um instante que fosse com seu sorriso caloroso e seus olhos amargos de fel. Obrigada por voltar nesse segundo. Está tudo bem, eu estou feliz agora, estamos juntos novamente. Você não sabe o quanto eu esperei para..
Ah, bom dia, um novo dia. Bom dia para o Sol que desce entre as persianas da minha janela e aquece meu rosto molhado pelas lágrimas. Bom dia para mais um dia infestado de pensamentos sobre mais um sonho que eu cansei de rejeitar.
Ah, se eu fechar os olhos agora, será que poderei sentir seu cheiro doce, ou ouvir sua voz? A mão de aço agora aperta minhas entranhas, instigando, mordendo; seus olhos ainda pulsam em meu peito, sua cicatriz ainda arde em minhas veias.
Ah, desisto. Me levanto da cama, forço a mão de aço a se redimir, ela voltará. Quase pude senti-lo dessa vez. Desisto.

sábado, 6 de dezembro de 2008

- o infinito entre duas escolhas;

O Sol brilhava forte no topo do céu. Ela contemplou o mar aberto à sua frente, sentindo-se parte daquele misto de verde e azul brincando pelo horizonte. Ser tão pequena e insignificante perto das milhares de vidas que se estendiam à sua volta trazia uma confortável sensação de anonimato. Colocou as mãos no rosto, respirando devagar; o calor já secara suas lágrimas. Depois de toda tempestade, vem a calmaria.
A tranquilidade era o momento que ela mais temia. Não que gostasse de se sentir desesperada; ela apenas odiava a falsa paz que sentia depois que as lágrimas secavam. Era o momento em que tudo parecia parar; o tempo, as águas, o vento; tudo estagnado numa harmonia irônica de acordo com os seus sentimentos. O silêncio pesava tão forte que ela mal podia ouvir a própria respiração; seu coração parecia bater preguiçosamente, no mesmo ritmo vagaroso que ela absorvia da paisagem. E, com o silêncio, os pensamentos fluíam; ela desistiu de tentar contê-los e entregou-se, voraz, em busca de conforto.
Um instante depois, arrependeu-se da falta de cautela.
Ao abrir sua mente para si mesma, as lembranças há tanto tempo guardadas cegaram seus olhos. Todos os momentos que ela forçara a permanecerem escondidos de seus sonhos e desejos reivindicaram seus devidos lugares; e, com eles, veio a saudade, imensa, avassaladora. O amor que sentia, somado à ausência que lutava para ignorar, ganhou força, inundando seu corpo como água fervendo, fazendo com que ela se encolhesse e arfasse. As lágrimas não vieram de novo, com suas promessas enganadoras de alívio. Devagar, sentindo os segundos como se fossem uma vida inteira, ela colocou cada sentimento maravilhoso e cruel num canto de seu coração que passava quase despercebido. E, cerrando os dentes, trancou-os de sua mente junto com todas as lembranças.
Percebeu que fechara os olhos involuntariamente. Voltou a olhar o mar, deixando que sua mente vagasse, mais controlada dessa vez.
Coração e mente. Duas entidades separadas.
Por toda a sua vida ela usara a razão para controlar o que sentia. Não deixava que seu coração fizesse o que bem entendesse de suas atitudes e intenções; reprimia-se cada vez que ele rumava para caminhos perigosos. Vigiava com os pensamentos, bem de perto, cada afeição ou desgosto que sentia; no intento de não fazer idiotices ou iludir-se por amor. Agora, o tempo em que mantinha esse controle parecia ter acontecido num outro século.
Reconheceu o amor verdadeiro assim que ele começou a nascer, alimentando-se de suas forças. Ele parecia tão bonito e sincero que não o reprimiu. Deixou que ele envolvesse seus sonhos, suas ações; mal percebeu quando ele abraçava sua mente, dominando-a; trazendo-a para perto de seu coração, unindo os dois como se nunca, nem por um segundo, eles tivessem vivido separados. O amor trouxe a esperança a tiracolo; a certeza de que nunca estaria sozinha a dominou, e foi em sua função que ela passou a escolher seu caminho. E, em todo esse processo, ela foi a mulher mais feliz do mundo.
Mal percebeu quando o tempo passava e sua felicidade se tornava sua própria armadilha. E, quando tentou se livrar do laço que unia seu coração e sua mente, não o encontrou; eles agora eram um só. E o amor que ela sentia impregnou-se em tudo que fazia, tudo que pensava; ela podia vê-lo em cada gesto; uma marca de afeição e dor. A esperança se fora, e a certeza mais importante de sua vida quebrou-se como vidro; cortando, sangrando por dentro. E, com o tempo, ela foi tomada pela dúvida.
Ao pensar em todos os momentos felizes que viveu, ela sentia a esperança tola confortá-la por alguns instantes. Então seu coração traiçoeiro guiava sua mente até o presente, e ela não podia acreditar que conseguiria sentir amor e ser feliz ao mesmo tempo.
Ali, à beira do infinito, ela pensou, por muito tempo, em qual parte de si deveria acreditar; passado ou presente, amor ou descrença. Mas, quando o Sol já se recolhia e as estrelas começavam a surgir, ela ainda não sabia aonde para onde olhar.
Levantou-se e caminhou em direção à rodovia. Ao chegar na estrada, uma nova palavra formou-se em sua mente: futuro.

(texto feito pra minha irmã, a Anna Banana que eu amo tanto. eu pensei muito no que escrever; mas eu não conseguiria fazer um texto pensando nela que não falasse de amor verdadeiro. então, que ela leia a sua própria história, e encare o final como uma dica da sua irmã mais velha: pra onde olhar.)

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

- sol de inverno;

A insônia me roubava mais algumas horas de tranquilidade. Eu não queria acordar pra esse dia.
Por trás dos olhos fechados, eu lutava contra as imagens que começavam a surgir na minha mente. De alguma forma, saber que tudo aquilo aconteceu há exatamente um ano atrás me obrigava a lembrar cada detalhe que eu tentava excluir da minha memória.
Eu vi, e quase pude sentir, o nosso primeiro beijo; exatamente há um ano atrás.
Me encolhi na cama. Há alguns meses eu choraria, e sentiria a dor me invadir, inevitável como sempre; mas o tempo passou e adormeceu as feridas mais fortes. Agora, a dor era como o frio; trazia consigo a mesma pele arrepiada, os mesmos abraços em volta de si, e o mesmo incômodo constante, porém suportável. Tremi. Era como se o gelo abraçasse meu corpo de dentro pra fora, como se a única forma de eu me aquecer de novo fossem aqueles braços em volta de mim.
Forcei meus pensamentos a irem embora. Eu precisaria de muita força de vontade pra sobreviver àquele dia.
Minha mente vagou por várias inutilidades até parar em um certo rosto. Quase sorri. Depois de tanto tempo em um inverno congelante, ele havia surgido em minha vida como um Sol no céu nublado. O meu Sol de inverno; daqueles que não aquecem completamente, mas trazem consigo um dourado fosco que anima o ambiente. Eu já havia me acostumado a ficar mergulhada no frio e no escuro, tanto que quase não reparava neles; o alívio que me inundou ao perceber sua ausência se tornou um vício. Automaticamente, ao visualizar aquele rosto em meio aos meus pensamentos, eu senti um calor confortável e relaxei os músculos. Me perguntei, pela milésima vez, o que eu sentia pelo meu Sol de inverno.
Abri meus olhos e olhei no relógio. Ainda era cedo.
Decidi me atormentar com essa pergunta sem resposta mais tarde. Concentrando-me, quase sem sucesso, em não me lembrar de todas as palavras e gestos que eu sentira há um ano atrás, fechei os olhos. Tentei me livrar da preocupação de que essa tática não funcionaria por muito tempo; ao longo daquele dia eu me encolheria periodicamente, procurando me aquecer; mas não consegui.
Então, deixando que o Sol aquecesse meu coração, me entreguei a sonhos mais seguros.

(esse texto eu escrevi sobre ontem, dia 3.)