domingo, 19 de julho de 2009

- 'no trabalho, no amor, acordados, em sonho...'

Abster-me sem ressalvas de falar sobre a morte, em tempos como esses, me parecia admirável; mas nem eu mesma me senti capaz de esconder a covardia debochada em minhas decisões. Tanto faz, eu dizia, o que sei sobre ir embora? Nada mais, nada menos do que todos sabem, não é mesmo? Talvez sim, talvez não; ou talvez a certeza que me acomete de que o pulsar de minhas veias é tudo que me resta, tão irrefutável desde a primeira vez que pude abrir os olhos, seja a verdade enlouquecedora e dolorosa. Como bem sei, não se deve escrever sobre o que não se conhece. Mas o fato de tão pouco se saber sobre a morte coloca todos num pé de igualdade de que não posso desviar, e aqui estou eu, desfilando meus medos de novo, acariciando cada esquivo detalhe de minhas convicções na esperança de que elas desapareçam, ou de que eu consiga tirá-las da cabeça.
Já dizia Cecília Meirelles, "A vida é a vigilância da morte, até que o seu fogo veemente nos consuma sem a consumir"... acho que sua poesia me causa tanta familiaridade por esse medo em comum que ela parece ter comigo. Maldito seja, ela já se foi e já conhece tudo, desde 1964. Eu estou aqui, aguentando as calúnias da globalização e o desespero dos infrutíferos planos de salvação do mundo, no século vinte e um. Mas não se deixem enganar; não há nada que eu deseje menos do que conhecer a morte. Não há nenhuma nobreza nisso: pura covardia. Tão densa que me cega às vezes, e quando finalmente posso ver, corro a derramar palavras há muito combinadas. Não sei porque continuo fazendo isso, de nada me adianta.
Afinal, a morte é assim: impenetrável. Só se pode especular, e eu cansei de especular sobre coisas que não acredito, cansei de refletir como se fosse encontrar uma resposta. Lembro-me de noites em que deitava na cama e olhava para o alto e pensava em como devia ser o nada. Não como dormir, algo mais próximo da inexistência, certamente. Lembro-me de tremer e forçar minha mente a outros caminhos, músicas, frases, coisas que faria no dia seguinte... Mas sempre houve cacos de esperança que se quebravam outra vez, e mais outra, cada vez que eu percebia a iminência da morte. Macabro, uma adolescente de dezessete anos falando de seus receios sobre morrer, com tanta vida pela frente. Mas, engraçado, a vida sempre me pareceu tão frágil, com suas débeis condições de sobrevivência. Reconheço, mais uma vez, com a cruel sinceridade sobre mim mesma, a covardia tentando humilhar o que prezo, mas não me convenço; sei que vou perdê-la, e temo isso mais que tudo. Pois, sem existir, o que mais há para temer?



(...)Morte, morte.
Levamos toda a vida morrendo em surdina.
No trabalho, no amor, acordados, em sonho.
A vida é a vigilância da morte,
até que o seu fogo veemente nos consuma
sem a consumir. - Cecília Meirelles.

4 comentários:

  1. a morte é um assunto critico, afinal, a gente não sabe o que vem depois dela...

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  2. Por ser nossa unica certeza, é que temos que fazer todo esse nosso tempo aqui, "valer a pena".

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  3. Deixe esse assunto pra lá moça, pense no aqui e no agora. Deixe que a morte fique pra depois, porque hoje, hoje eu quero é vida :*

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  4. O escrito é muito bonito, e o assunto muito complexo. Mas o que me surpreende é a maturidade do seu estilo!!! Tá mudando!! Ahahah sério, tá ficando muito mais encorpado.

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