sexta-feira, 15 de agosto de 2008

- círculo vicioso;

E lá estava eu, numa bela tarde de verão, agachada entre um banco decrépito e uma parede suja de umidade, me esforçando pra não encostar em nada. Tudo pra ceder a um vício.
O cigarro queimava lentamente, e ao mesmo tempo que eu desejava que ele acabasse logo pra que eu saísse dali, eu torcia pra que não acabasse tão cedo o último cigarro do que eu tinha prometido ser o último maço. E, pra que ninguém soubesse da minha inconveniente recaída, eu tinha ido no canto mais porco e desabitado do estacionamento do shopping.
Ofendi mentalmente até a décima geração daquele que inventou as baratas. Lá estava uma delas, morta, a poucos centímetros de mim; e o susto que tomei ao percebê-la quase me derrubou da minha posição higiênica. E me perguntei o que diabos eu estava fazendo ali.
Apaguei o cigarro pela metade, reunindo todas as minhas forças restantes, me levantei e saí dali com a maior dignidade possível. Me senti covarde. Cada mísera fase ruim da minha vida rendia no mínimo, três recaídas e quatro promessas de não-recaídas. E eu me reduzia às baratas e à imundície pra acender um cigarro que me faria esquecer que talvez tudo não seja tão fácil quanto eu achava que seria.
E tudo isso só por alguns minutos.
Despreze a si mesmo, e veja como é. Eu sabia que tentaria resgatar a merda que tinha feito da minha vida, o mais corajosamente possível que meu caráter covarde aguentaria. Sabia também que era só algo de extrema importância dar errado de novo que eu desceria calmamente do meu pedestal de abstinência e acenderia um cigarro. E teria tanta pena de mim que choraria ao ouvir a brasa estalar em meus ouvidos, e gastaria mais alguns reais em um maço jogado fora.
Meu salto quebrou com o esforço de sair dali sem encostar em nada. A chuva começou a cair. Deixei que molhasse meus cabelos e tirei o que restava da minha sandália favorita. Fiz o máximo possível pra me sentir limpa, mas sorri ao passar pelo espelho lateral na porta do shopping. Eu estava um lixo, como o lugar de que tinha acabado de sair. E não havia nada nem ninguém que me mudaria, a não ser eu mesma.
Quem sabe uma última promessa não pudesse dar certo?

3 comentários:

  1. adorei o texto
    gosto dessa linguagem direta, transparente que vc usa para falar do cotidiano,ao mesmo tempo com um certo ar poético.
    mesmo se tratando de uma situação desagradável, há um certo humor (quando fala das baratas...) e o texto flui..
    tb acho que vc consegue descrever bem o cenários e suas sensações..
    enfim,adoro vir aqui
    abraço
    e obrigado pela força

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  2. Esses vicios, que também compartilho, sao os que me trazem a realidade, de saber que eu sou real, cheia de defeitos, e tão baixa quanto uma barata... delimita o mundo perfeito das ilusões e o mundo de verdade.
    Perfeito

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  3. olá tai boa noite
    pude notar que vc é uma otima escritora bem descritiva bme direta
    saudações de um filho de caim

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