sexta-feira, 24 de outubro de 2008

- prefácio;

“O silêncio é uma obra divina”, pensou Marise. Seus olhos fechados escondiam asatisfação estampada em seu rosto. O frio, o escuro; as reflexões fluíam como água; o instante. O cheiro perdido no ar limpo. A sintonia.
Abriu os olhos. Vislumbrou o papel em branco à sua frente. O que viria agora?
Pôs-se a escrever. A sua mão morena voava de um lado para o outro, mas sua caligrafia permanecia inalterada pela pressa; uma idéia se sobrepondo à outra, frases interrompidas, palavras riscadas. A ponta do lápis roçando o papel, o pó do grafite manchando suas mãos; podia descrever tudo com detalhes, cada sensação descrita em sinestesia, podia sentir tudo.
A história surgia inconstante, um embrulho disforme de informações jogadas, com um único sentido implícito, perceptível, embora inconscientemente. O exílio acarretava um sentido contrário do esperado, a paz e todas as suas conseqüências. Marise o procurava em todos os momentos do dia, obtendo apenas aqueles instantes em seu quarto. Breves, e densos. Muito breves.
O sorriso se formara em seu rosto. Já estava na hora de desmanchá-lo.
- Marise! – a porta se abriu de súbito.
O lápis caiu no chão, a folha incompleta, uma palavra na metade. Marise sentiu o gosto da raiva na boca.
- O que foi?
O rosto da freira não demonstrava maior satisfação.
- Espero que essa folha não seja o que eu penso.
- A senhora pensa?
- Basta de suas grosserias, Marise! Dê-me o papel!
Marise sabia que seria inútil insistir. Sua mão tremia quando entregou a folha a Irmã Sofia.
- E da próxima vez que você perder a missa escrevendo essas baboseiras imorais...
Ela pareceu engolir o resto da frase. Saiu, batendo a porta, não sem antes pegar o lápis do chão e guardá-lo no bolso de suas vestes.

2 comentários: